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Pedidos de impeachment contra Doria miram de quarentena por Covid-19 a renúncia fiscal

Pedidos de impeachment contra Doria miram de quarentena por Covid-19 a renúncia fiscal

Assim como a pandemia do coronavírus impulsionou pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), também o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), foi alvo de peças que apontaram crimes de responsabilidade no combate à doença.

A maior parte deles, porém, foi apresentada justamente por apoiadores do presidente e questiona desde o estabelecimento de medidas de isolamento e compra sem licitação de respiradores até a construção de hospitais de campanha e reunião com embaixador chinês.

Já foram apresentados oito pedidos de impeachment contra Doria na Assembleia Legislativa de São Paulo —seis foram arquivados e dois estão pendentes de análise.

Segundo registros internos enviados à Folha, 74 representações chegaram ao Legislativo paulista desde 1998. Só três preencheram os requisitos formais para prosseguir, conforme pareceres do órgão de análise jurídica. Nenhuma, contudo, avançou no plenário.

A tabela mostra Mário Covas (PSDB), que governou de 1995 a 2001, como o alvo do maior número de pedidos (43). Contra o também tucano Geraldo Alckmin (2001 a 2006 e 2011 a 2018), foram 15.

Contra Doria, parte dos deputados do PSL que formam a bancada bolsonarista na Assembleia apresentoum três pedidos no total. Há ainda uma peça do grupo suprapartidário PDO (Parlamentares em Defesa do Orçamento), uma do deputado Carlos Giannazi (PSOL), duas do senador Major Olímpio (PSL-SP) e apenas uma de cidadão comum.

Como já mostrou a Folha, pedidos de impeachment de governadores dificilmente prosperam, já que os Executivos estaduais costumam formar uma coalizão majoritária nas Casas Legislativas. É o caso de Doria, que conta ainda com um aliado, Cauê Macris (PSDB), na presidência da Assembleia.

Nos estados, o presidente da Assembleia é o responsável por arquivar os pedidos de impeachment ou dar andamento a eles, possibilitando a votação no plenário para a abertura do processo.

Para minimizar o desgaste político de vetar ou dar aval ao impeachment, Macris segue orientação da Procuradoria da Assembleia, órgão que analisa, por exemplo, se as condutas descritas nos pedidos são autorizadas ou proibidas por alguma norma jurídica.

A Procuradoria ressalta que não busca entrar na análise de mérito, “visando apenas e tão somente contextualizar a conduta no panorama jurídico que a circunda como forma de subsidiar o juízo de admissibilidade da presidência”. Até agora, todas as conclusões foram por arquivamento.

Enquanto as medidas relativas ao coronavírus ensejam os pedidos de impeachment, a pandemia é também um dos motivos apresentados por Macris para recusar a admissão do procedimento.

O argumento é semelhante ao do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao recusar os pedidos contra Bolsonaro –o de que é hora de se concentrar nas ações de saúde e não em conflitos políticos.

No momento de crise sanitária, afirma Macris, “impõe-se às autoridades constituídas, de forma especialmente imperativa, o dever de agir no sentido não apenas de garantir estabilidade institucional, como também de fortalecer o trabalho conjunto dos Poderes e das instituições, sempre em prol do bem-estar dos cidadãos”.

Num cenário de difícil aprovação, os pedidos de impeachment são usados para fustigar Doria e dar argumentos para protestos contra o governador. O protocolo das peças costuma ser divulgado ao vivo nas redes sociais dos deputados autores.

Os pedidos assinados por deputados do PSL são os mais extensos e que listam maior número de ações avaliadas por eles como crime de responsabilidade –um deles traz 19 pontos.

Ali se misturam de denúncias de sobrepreço em compras emergenciais da pandemia sem licitação —que são alvo de investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado— a teorias negacionistas e conspiratórias, como a de que Doria articulou um conluio contra a soberania nacional ao participar de reunião entre governadores e o embaixador chinês e ao negociar a vacina com a Sinovac em agosto de 2019, antes da pandemia –acusações que não se comprovam.

As peças bolsonaristas buscam ecoar o discurso do presidente contra a origem chinesa da vacina e contra o isolamento social. Também chamam Doria de “João Agripino” –os oposicionistas do governador costumam ressaltar seu nome do meio.

Em pedido apresentado pelo PSL em julho, deputados afirmam que Doria reconheceu “sua participação em negócios escusos e de potencial lesivo à humanidade, contraído em nome do Estado de São Paulo, com instituições de países estrangeiros, que é o caso da notoriedade pública da SinovacBiotech, empresa ligada ao governo comunista chinês do ditador Xi Jinping”.

Dizem ainda que o fato de Doria ter adotado em São Paulo medidas de isolamento, contrárias ao discurso de Bolsonaro, demonstra sua “tentativa de criação de um governo paralelo e conspiratório contra os maiores interesses da nação”.

Em resposta, a Procuradoria da Assembleia afirma que não é vetado aos estados que mantenham interlocução com governos estrangeiros.

O tom bolsonarista também está presente na peça de Edilberto Acácio da Silva, advogado de Ribeirão Preto, que acabou arquivada em maio passado. Nela, Silva questionou o decreto de quarentena no estado, com o fechamento de serviços não essenciais e ameaça de multa e prisão.

Para ele, a atitude de Doria influencia outros estados “que querem, na seara política, criar o pânico, o tumulto, o desemprego em massa para gerar fome, roubos, mortes e saques visando desestabilizar o nosso país”.

No entendimento da Procuradoria, endossado por Macris, estados e municípios têm competência concorrente na saúde, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, de forma que o governador pode decretar quarentena independentemente do governo federal.

Além de questionamentos sobre quarentena, sobre alegada manipulação de dados de número de vítimas da Covid-19 ou sobre a participação de Doria em aglomeração de Carnaval em 2020, período anterior à decretação de pandemia, as peças apresentadas por deputados do PSL trazem outros temas.

A primeira, apresentada em abril e que tem a assinatura também da deputada Edna Macedo (Republicanos), aponta ainda falta de transparência em contratos do governo e divulgação de propaganda falaciosa, que anunciava a entrega de máscaras e álcool a todas as viaturas da PM.

Sobre esses fatos, a procuradoria afirma ser necesssária maior investigação. Macris arquivou o pedido.

Os deputados do chamado PDO focam, em seu pedido de impeachment, ações de Doria na pandemia que, na visão deles, causaram prejuízo aos cofres públicos, como aquisição de respiradores sem garantia e um contrato para a produção de aventais cancelado após o grupo descobrir que o fornecedor atuava em outro ramo.

Nesse caso, a resposta da procuradoria é que os fatos estão em investigação em outros órgãos. Macris arquivou o pedido em agosto.

A peça mais recente do PSL, ainda não analisada na Casa, também aponta para supostos superfaturamentos e compras fraudulentas.

Entre os diferentes pedidos de impeachment, os argumentos e fatos costumam se repetir.

Em abril, o senador Major Olímpio, rival político de Doria, apresentou peça questionando o uso de helicóptero da polícia pelo governador, a ordem de que a polícia fechasse a circulação em sua rua e o acordo de monitoramento com empresas de telefonia para determinar o grau de distanciamento social —pontos que aparecem nos pedidos bolsonaristas.

A Procuradoria da Assembleia argumentou ser prerrogativa do governador contar com helicóptero e segurança da PM e apontou não haver consenso jurídico de que o monitoramento viole a privacidade dos paulistas.

Em nova peça em junho, o senador aponta medida de Doria já contestada pelo TCE, a de não dar publicidade às renúncias fiscais do estado, além de estabelecê-las por decreto, não por lei. A resposta da Assembleia é a de que pareceres da Procuradoria-Geral do Estado autorizam a conduta.

A questão da renúncia fiscal aparece também na última peça do PSL, de setembro, e é mencionada do pedido de impeachment apresentado em novembro pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) em conjunto com 27 sindicatos e entidades que representam funcionários públicos.

O pedido de Giannazi, o único do campo da esquerda, apresenta números para questionar a crise fiscal apontada por Doria para aprovar cortes na Assembleia.

A peça aponta crime de responsabilidade nas extinções de estatais, como a CDHU, EMTU e Sucen, e no aumento da contribuição hospitalar do servidor com mais de 59 anos de 2% para 3%. O pedido ainda não foi analisado pela Procuradoria da Assembleia.

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